Ele é dono de uma voz bonita, doce, suave… Tem uma energia boa e é autor de lindas composições. Junior Almeida chegou aos 40 anos de carreira com um repertório repleto de belas canções e de muitas histórias para contar. A celebração às quatro décadas de musicalidade, maturidade e aprendizado ocorreu no Café do Sobrado em uma noite de encantos e encontros, no bairro da Pajuçara, em Maceió. Na ocasião, ele esteve acompanhado dos músicos Toni Augusto (guitarra), Anderson Almeida (contrabaixo) e Rudson França (bateria). Junior Almeida fala aqui no Ping-Pong como é comemorar 40 anos de música, relembra alguns momentos especiais, nos conta um pouco de sua trajetória e dos próximos projetos. Acompanhe a entrevista e boa leitura!
Como foi seu início na música?
Meu início se deu em um festival de música, acho que era o principal evento cultural na época, o lugar onde todas aquelas pessoas que criavam e trabalhavam com composição tinham para divulgar seu trabalho e, ao mesmo tempo, era um centro também de discussões políticas e até filosóficas. A música passou a ser esse caminho, era uma época de abertura política e muitas das discussões em torno das questões do país se davam através da música popular brasileira, que teve esse papel. Então, os festivais universitários se tornaram uma prática nacional e, aqui em Maceió, aconteciam os festivais promovidos pelo DCE, da Ufal. Eu era um estudante de Ciências Sociais, morava no Rio de Janeiro e vim passar férias aqui (em Maceió). Encontrei alguns amigos que também gostavam, tinham uma grande proximidade com a música, com a arte e, todos, na verdade, namorávamos esse campo. Durante um encontro entre esses amigos, nós resolvemos formar um grupo, que se chamou Caçoa, Mas Não Manga, e a ideia era levar para o festival uma estética diferente da que vinha sendo praticada. Existiam canções de protesto, uma estética de festival e o que a gente queria na época era mexer com isso, fazíamos parte de movimentos políticos e tal, mas queríamos mexer com a questão da forma de falar as coisas e aquele festival foi perfeito. Mas eu acho que mais do que isso, por trás de tudo isso, tem a ideia de fazer parte, de passar a pertencer a esse grupo de músicos. Nos inscrevemos no festival com a música que se chamava Cabeças de Pitomba, uma composição do Emídio Magalhães, acredito que do Jatiúca também, e foi uma recepção fantástica. Nas eliminatórias, fomos classificados, e, assim que entramos no palco, recebemos uma vaia imensa, foi o primeiro sinal de resposta de uma plateia. Éramos 12 pessoas, entramos todos vestidos a caráter, me lembro que eu entrei de terno e com O Capital, do Karl Marx, debaixo do braço, e cada um tinha um jeito. Era o Emídio Magalhães, Nelson Braga, Jorge Barbosa, Aline Marta, Rosália, Gal Monteiro, Jatiúca, os músicos Luis Carlos, tecladista, Zé Barros na guitarra, e o Baigon, uma espécie de padrinho nosso, que tocou bateria, um instrumento que ele não executava, é um baixista, mas que tocou bateria para poder proporcionar uma apresentação nossa. Ganhamos um prêmio consolação, tipo revelação do festival, porque era difícil nos enquadrar como primeiro, segundo ou terceiro lugar formal no festival, por conta exatamente da estética apresentada, mas foi um sucesso. Esse grupo rendeu um ano de trabalho, com várias apresentações, em diversos lugares de Maceió, me rendeu a estreia como profissional e, mais ainda: a certeza de que era aquilo que eu queria para a minha vida e aquele era o meu lugar. A partir daí, eu não voltei, o curso de Ciências Sociais foi para o seu canto e me tornei músico, compositor e cantor. Logo no ano seguinte, apresentei um trabalho em um festival universitário, um trabalho solo, com a música Lúcia Colagem e também com uma estética bem diferente do que era trabalhado na época. Ganhei esse festival, montei um show e a vida na música começou…
Como se sente completando 40 anos de carreira?
Completar 40 anos de música é um marco, no sentido de a gente pontuar, poder ter referência de um tempo, de quanto tempo a pessoa exerce tal atividade. Então, 40 anos é aquela data redonda. É algo normal e inevitável que eu complete, até onde a vida me permitir, porque é esse o lugar. É seguir, continuo seguindo e seguirei nesse caminho da música. É um marco no sentido de ser um projeto contínuo, duradouro, que, aos 40 anos, me traz uma satisfação imensa de ser um cantor, compositor, uma clareza de que foi uma escolha correta, era o que eu tinha e é o que eu tenho pra fazer… de ter feito essa opção de morar em Maceió, de desenvolver esse trabalho aqui de forma contínua. Ter um público que me assiste, ter amigos, pertencer a esse meio, é algo que me dá alegria e enxergando a longevidade e a autenticidade desse projeto, que é o que eu mais gosto de perceber.
Quais os momentos mais marcantes para você ao longo dessa trajetória?
Foram muitos momentos marcantes, são 40 anos, muito tempo. Então, aconteceram muitas coisas boas. O que vem rapidamente na lembrança, coisas definidoras, tanto como trabalho, como resultado prático de crescimento no processo de ser músico, como também no sentido emocional, coisas que deram prazer, alegrias. Primeiro, um convite que aconteceu da Aliança Francesa para a Festa do Sul, em Mairselle, esse convite terminou possibilitando a nossa apresentação em seis cidades francesas, foi um marco, a primeira vez que levei o meu trabalho para fora do país. Fomos com o Ricardo Mota, que na época exercia também e muito bem a função de cantor e compositor. Foi uma apresentação bonita, fomos muito bem recebidos e, assim uma coisa boa, não pelo fato de estar em outro país, mas muito mais pela forma como receberam o nosso trabalho musical. Outro momento muito bom foi quando o Ney Matogrosso gravou A Cor do Desejo para o disco dele O Beijo Bandido, que proporcionou a ida dessa música pra trilha sonora do remake da novela Saramandaia, que eu assisti como menino, na rua Cincinato Pinto, no Centro. Ainda guardava na mente os personagens porque eu era menino e tinha a coisa do realismo fantástico. Depois, veio o remake dessa novela com uma música minha e do Ricardo Guima, como tema principal, do casal romântico. Foi um trabalho que me deu alegria e que acabou rendendo a participação do Ney Matogrosso no meu disco Memória da Flor, cantando a música que dá nome ao álbum, terminou rendendo também um clipe, dirigido pelo Renée. Foi um momento também muito maravilhoso que abriu portas e fez com que o trabalho fosse visto. Outro momento emocionalmente fantástico: o Milton Nascimento fez um show que se chamava Crooner e, nas cidades onde passava, ele sempre convidava um cantor local para participar do show, cantar uma música escolhida por essa pessoa com a banda dele. Aqui em Maceió, eu fui escolhido e também foi um momento maravilhoso. Esse show aconteceu no Hotel Jatiúca e era estar no show de um ídolo, de um artista que eu tenho uma admiração imensa. O mesmo aconteceu um tempo depois quando eu fui convidado para participar do lançamento de um livro da Ana Oliveira sobre o Gilberto Gil. Era um diálogo do Gilberto Gil com personalidades da ciência, da política, que foi lançado na Flimar. Durante esse lançamento, a Ana fazia uma espécie de entrevista com o Gil. Essa entrevista era pontuada com músicas que tinham alguma ligação com aquele tema e eu fui convidado para interpretar essas canções. Naquele momento, estive acompanhado de Bruno Palagani, Toni Augusto e o maestro Almir Medeiros. A partir da segunda música, ele (Gilberto Gil) passou a cantar com a gente. Então, foi outra realização, o Gil pra mim é um dos maiores artistas, daqueles que eu mais admiro. A música me deu essas realizações. Eu gravei seis discos. Cada um desses lançamentos foi um ponto marcante na minha vida. Justamente por meio desses trabalhos, é possível me enxergar como compositor, como intérprete e todo processo e evolução que aconteceu. Ah, e outra coisa que marcou foi uma fita cassete que eu lancei antes dos CDs, a primeira vez que eu gravei, um projeto com o Almir Medeiros, que se chamava Transparências. Na época em que Ênio Lins era o secretário de cultura e o Ronaldo Lessa governador. Eles lançaram um projeto, que aconteceu na escadaria da Associação Comercial, isso também rendeu vários shows, inclusive fora do estado, tocamos em locais como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tocamos em algumas cidades. Ou seja, muita coisa… Recentemente, gravei o single Uma Chance, no Rio de Janeiro, uma parceria com o Paulinho Wanderley, um poeta de Maceió, com a participação da Mart’nália, que antes gravou uma música minha, Os Sinais, no disco que o Djavan produziu pra ela, intitulado Não Tente Compreender. Estou falando de coisas que vêm de imediato, mas se for assim colocar na memória, tem muita coisa. Afinal de contas, são 40 anos, né?
O que mudou no cenário musical alagoano e brasileiro de lá pra cá?
As mudanças no cenário, tanto brasileiro, quanto de Alagoas, terminam sendo um reflexo, né? Em Alagoas, eu divido em duas partes. Uma, a coisa mais institucional, de como o estado e município, trabalham sua cultura e a música produzida em Alagoas. Nesse ponto, pouquíssima coisa mudou, pelo contrário, parece um processo cíclico, às vezes, existem alguns avanços e depois um recuo. Isso depende de quem está no governo e qual o pensamento do grupo que governa no momento sobre essas questões. E dá a sensação de que pouca coisa mudou. Temos uma dificuldade imensa de enxergar o que se produz no nosso lugar. Estou falando em termos institucionais porque, em termos do público, das pessoas, é cíclico também, mas, no momento, eu vejo as casas enchendo, os teatros, temos agora o Café do Sobrado e o Bistrô Farol, lugares onde estão acontecendo as coisas e lotados. As pessoas vão e assistem, mas isso também acontece por uma evolução na produção e como ela passou a ser apresentada. Acho que nesse ponto evoluiu muito. Hoje, os trabalhos que são apresentados pelos artistas locais não devem a ninguém em termos de técnica, estética, qualidade de som e de música. A gente veio avançando, já era rico na criação e ficou também na forma de mostrar esse projeto. Os shows que eu assisto são de uma qualidade imensa. Fernanda Guimarães, LoreB, Andrea Laís, Wado, o pessoal do Clube do Jazz, Wilma Araújo, é muita coisa boa… os novos que chegam… outra coisa interessante é essa renovação de artistas desse estado, uma geração bacana, é muita gente boa. Citei alguns que me chegaram rapidamente na cabeça, mas poderia passar o dia todo aqui falando… tem também o samba da periferia. Evoluímos ao ponto de os trabalhos apresentados por artistas alagoanos nas casas de espetáculo serem de uma qualidade inquestionável. Em termos de Brasil, uma coisa que pegou para todo mundo foi a mudança total que aconteceu na indústria da música. A gente teve o período do disco, que foi de ouro, onde surgiram os grandes ídolos e também as remunerações eram muito boas. Logo após, vieram a internet, os streamings e aí a modificação total desse sistema, dos direitos autorais. As músicas que são tocadas nas plataformas rendem pouquíssimo, tudo mudou muito e continua essa problemática financeira para quem faz música, a não ser grandes estruturas e artistas já consolidados no grande público, que ainda conseguem reverter em ganho a sua produção musical. A maioria não. Então, o artista depende do seu show e da oportunidade que ele tem de apresentar fisicamente esse trabalho para um público e aí é aquela luta diária. São problemas encontrados… Tem aquela relação direta que existe entre arte e educação em qualquer lugar. Quanto mais o povo tem educação, uma preparação nas escolas, em casa, para se tornar um ouvinte, mais você vai ter um retorno bom para todos aqueles que fazem arte. O nosso pais, infelizmente, sempre foi problemático em relação à isso, mas passamos por um tempo quando esses problemas foram muito maiores e isso reverbera em tudo, mexe com tudo, dá espaço para que empresas poderosas ditem o que as pessoas vão ouvir e que a gente tenha uma coisa muito menos democrática no sentido da distribuição da música. Então, hoje você tem a suposta liberdade e facilidade de compor, criar uma canção e colocar na internet, mas terá uma dificuldade imensa de fazer com que esse público lhe ache, a não ser que você tenha meios de chamar a atenção e aí volta aquela mesma coisa de que estrutura é essa? Que estrutura é usada para chamar a atenção? São estruturas parecidas com as de antes, mudaram a roupagem e o espaço que elas precisam ser executadas. Continuamos em processos difíceis, desafiadores, mas tem que fazer, ninguém vai desistir por causa disso. O que temos que fazer é reinventar os trabalhos, a forma como apresenta, buscar novos conceitos, novos jeitos de atrair seu público. Trabalhar com a noção de: meu trabalho chega para essas pessoas aqui e eu vou direcionar para elas. Ou seja, é uma revolução completa na forma de mostrar o trabalho artístico, todas as questões da arte foram envolvidas com essas novas tecnologias, ainda há a incapacidade de saber lidar com isso e de reverter numa melhor condição financeira para aqueles que praticam a arte.
Quais os novos projetos?
O plano é tocar e levar a minha música onde for possível, em shows e apresentações… Mas o plano número um, no momento, é gravar meu próximo disco, já está em processo de pré-produção, da escolha de composições, criação do conceito, eu gosto sempre de trabalhar em cima de um conceito… então, esse é o plano maior. Um disco novo que eu gostaria de apresentar ainda esse ano ou, no máximo, no começo de 2025.
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Imagens: ¹ Reprodução, ² Jorge Vieira, ³ Edna Motta.