Há algo muito interessante sobre a natureza das tartarugas-marinhas. No período em que antecede a desova, as fêmeas enfrentam uma jornada para fazer seu ninho na mesma praia em que nasceram. Isso mesmo, essas espécies sabem exatamente o local de sua maternidade e, quando o relógio biológico dá o sinal, elas iniciam essa viagem pela vida para deixar seus ovos. Esse comportamento animal é chamado de filopatria, cuja palavra vem do grego e significa “amor ao lar”. Essa fidelidade à sua área de reprodução é comprovada por estudos genéticos.
Pesquisas apontam que esses animais são capazes de retornar ao exato local da praia natal devido ao magnetismo terrestre, que os orienta. E acredita-se que a volta se dá porque a tartaruga considera aquele ambiente como seguro e propício para a desova, já que a sua aconteceu naquele mesmo lugar, anteriormente, com êxito.
De acordo com estudos, das sete espécies de tartarugas-marinhas existentes em todo o mundo, cinco vivem no Brasil e já foram registradas em Alagoas. Ao longo dos anos, o litoral alagoano tem sido uma maternidade para as tartarugas, um berço de milhares de vidas. Nesse contexto, há uma enorme contribuição do Instituto Biota de Conservação, uma organização não governamental, fundada em 2009, com o objetivo de ajudar a conservar a vida marinha e seu habitat.
Desde seu surgimento até hoje, a instituição já protegeu mais de 20 mil filhotes. Sempre que o Biota recebe um chamado sobre o aparecimento de tartarugas no litoral alagoano, os voluntários iniciam uma expedição com a missão de salvar as espécies.
“A orientação para a população ao ver uma espécie de tartaruga é entrar em contato com o Instituto Biota pelo Whatsapp: 82 99115-2944. A partir desse diálogo, a gente vai ter informações sobre a situação do animal e passar procedimentos que podem ser feitos, de primeiros socorros ou até mesmo para isolar a área, se for um caso de desova. Então, nunca agir por conta própria, sempre procurar informação para receber orientação e fazer os procedimentos corretos.”, disse o biólogo, fundador e presidente do Biota, Bruno Stéfanis.
Desde 2011, quando o Biota começou a acompanhar a reprodução em AL, 3.048 tartarugas-marinhas desovaram no estado. Confira na linha do tempo abaixo:
“A nossa atuação depende da situação. Se for uma tartaruga desovando, a gente espera o animal desovar, marca com uma anilha e avalia se esse ninho tem condições de ficar nesse local. Se houver risco de o ninho ser pisoteado, enxarcado ou até entrar em erosão, a gente remove para uma área mais segura, de preferência na mesma praia. Nós temos uma planilha e, ao completar 45 dias da desova, a gente vai verificar se está nascendo. A média de nascimento após a desova é de 50 dias.”, explica Bruno.
O período de desova das tartarugas-marinhas vai de setembro a março. O maior pico registrado em Alagoas, segundo o Biota, é nos meses de janeiro e fevereiro. Os registros mais frequentes são na praia do Mirante da Sereia, em Maceió. Além da capital, os municípios com número significativo de desova dessas espécies são Coruripe, Roteiro e Marechal Deodoro. Essas informações compõem um banco de dados alimentados pelas instituições de conservação e o Biota faz parte desta rede.
“Nós marcamos as tartarugas com uma anilha metálica, que é fornecida pelo Centro Tamar, do ICMBio, única produzida no Brasil. Nessa anilha, tem um número corrido e o contato do ICMBio. Se a tartaruga aparecer em outro lugar do mundo, fora do Brasil, a pessoa que encontrou entra em contato e essas informações chegam aqui. Se ela aparecer em uma área no Brasil onde também fazem esse registro, a gente consegue ter acesso a um histórico do animal em um banco de dados. Isso é importante porque a gente tem essa troca e consegue fazer o ciclo do animal, identificar lugares de migração, alimentação…”, detalha Bruno.
O chamado da vida
No último dia 18 de fevereiro, o Instituto Biota recebeu um chamado, daqueles que os voluntários amam porque são sobre vida. Uma tataruga-de-pente surgiu na praia de Jacarecica, em Maceió, para a desova. O animal media 82 centímetros. Depois de encontrar um lugar para deixar seus ovos, a mamãe voltou para o mar.
Vale destacar que foi um banhista quem viu a tartaruga e logo acionou o Biota. A sua correta e exemplar atitude colaborou com a jornada pela vida e o bem-estar do planeta, ou seja, de todos nós. Depois que ovos eclodiram, os filhotes seguiram naturalmente em direção ao mar – seu lar, onde os perdemos de vista. Essa cena das tartarugas entrando em casa merece destaque porque, além de linda e emocionante, é esperançosa.
A natureza resiste
As tartarugas têm um papel importante no meio ambiente. Elas contribuem para as teias alimentares marinhas e costeiras, além de transportar nutrientes dentro dos oceanos. Esses animais também ajudam a manter os recifes saudáveis, controlando esponjas que competiriam com os corais construtores de recifes por espaço.
Apesar de toda sua importância, as tartarugas foram exploradas durante décadas e, hoje, lutam contra a extinção. A cada mil nascimentos, apenas uma ou duas sobrevivem. Isso ocorre por conta de muitos obstáculos, vindos, principalmente, da ação humana, que polui o ambiente, promove a caça, destrói habitats, explora desordenadamente os recursos naturais e introduz espécies exóticas. O aquecimento global é outra grande preocupação, uma vez que o clima mais quente é propício para o nascimento de tartarugas fêmeas. Portanto, a reprodução tende a ficar ameaçada com o surgimento de mais fêmeas do que machos, gerando um desequilíbrio e dificuldade no acasalamento.
“O futuro é bem sombrio porque hoje as ameaças são outras. Conforme nós evoluimos na cadeia de consumo e hábitos de vida, as ameaças mudaram. No passado, a principal ameaça da tartaruga era o abate para a coleta dos ovos e a matança das fêmeas. Hoje, isso, praticamente, não existe, só um caso ou outro isolado. Mas, surgiram dezenas de outras ameaças, principalmente, ligadas ao plástico, petróleo, poluições hídrica, sonora e visual. Então, são outras ameaças de grande porte, difíceis de serem combatidas e mitigadas. Aquele pescador que matava tartaruga na praia foi educado, punido e mudou o hábito. Nós temos cidades imensas sendo construídas com arranha-céu que vai sombrear a praia, com holofotes e luzes gigantescas, veículos na praia, várias outras ameaças que antes não existiam e que são mais difíceis de mudar e moldar para reduzir os impactos diante da vida marinha.”, observou, Bruno.
Situação das espécies
As cinco espécies de tartarugas-marinhas encontradas no Brasil estão em algum grau de ameaça de extinção em diferentes categorias, em níveis nacional e internacional, segundo critérios do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de extinção (ICMBio/MMA) e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Segundo a última revisão do grupo de especialistas em tartarugas-marinhas e, por meio da Portaria MMA n° 48, de 07/06/2022, o atual status dessas espécies ficou assim: tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) continua na categoria “criticamente em perigo”; tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e a oliva (Lepidochelys olivacea) estão em situação “vulnerável’; a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) passou para a categoria “em perigo“; e a tartaruga-verde (Chelonia mydas) saiu da lista de espécies ameaçadas e mudou para a “quase ameaçada”, dependendo de ações de conservação para poder permanecer nessa condição.
Mesmo ainda “quase em extinção”, a melhoria na situação da tartaruga-verde é um sinal de que as ações em defesa desses animais estão gerando bons resultados. O trabalho de instituições, como o Instituto Biota, ICMBIO, Ufal e Projeto Tamar, por exemplo, mostram que é possível vencer décadas e décadas de desrespeito e degradação ambiental com a perseguição e extermínio dessas espécies.
“É sempre bom quando o animal sai da lista de ameaçados porque é sinal de que os esforços estão dando certo e isso nos traz alegria. Sempre que o animal passa por avaliação e fica constatado que mudou para um status melhor, é sinônimo de grande alegria para todas as instituições que trabalham com conservação.”, concluiu Bruno.
Imagens: ¹ Instituto Biota de Conservação.